Criança faz terapia?
Para quem não está familiarizado com esse tema, pode ser que criança fazer terapia não seja algo normal, comum. Pode ser que essa possibilidade seja vista como estranha, não natural, "o que é que uma criança vai falar na terapia?". Ou pior, pode ser que o primeiro pensamento seja "e criança lá têm problemas pra precisar fazer terapia?"
São questionamentos impressionantes para quem trabalha com essa temática, mas possíveis e corriqueiros para quem desconhece esse trabalho. É com esse público que gostaria de falar agora, os leigos curiosos e interessados.
Podemos dizer que foi o final da década de 1990, quando o Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado, que inaugurou esse olhar atento para a infância. Porém, desde o início dessa década e durante toda ela, psicanalistas com Donald Winnicott já estavam falando profundamente sobre as crianças, suas particularidades e os benefícios que elas teriam com terapias adequeadas para sua idade.
Acontece que as crianças sofrem de maneiras muito diferentes que os adultos. Aqui estamos falando de crianças na primeiríssima infância e também crianças mais velhas, de todo modo, elas sofrem e demonstram esse sofrimento de formas que não estamos acostumados a ver normalmente.
Uma criança pode apresentar sinais de sofrimento psíquico através de micção noturna (xixis na cama com frequência), de mutismo seletivo, de brincadeiras repetitivas, solitárias e empobrecidas de histórias. Uma criança pode chorar sem motivo aparente, ter muitos pesadelos, brigar com os colegas, não querer ir para a escola, ser muito apegada aos pais, ser indiferente aos pais, sofrer de fobias "sem sentido", tudo isso são formas não verbais de demonstrar sofrimento.
Embora a própria criança não perceba esses movimentos como sinais - pois não são intencionais - elas sentem que algo não vai bem. Entendemos isso porque por mais que elas falem "outra língua" e pareçam não entender a nossa, o nosso mundo, as crianças tem um enorme mundo interno desde o início de sua vida.
Mesmo as crianças menores, os bebês, que ainda não falam para tentar se expressar de formas lúdicas e diferentes das nossas, possuem um enorme mundo interno e, com isso, todas as fantasias, angústias, percepções e pensamentos que nele possam existir.
Pode ser difícil para algumas pessoas compreender isso pois pensam o funcionamento das crianças pequenas como naturais, puramente biológicos. Mas essa não é uma verdade; o desenvolvimento das crianças depende tanto de nutrientes e amparos físicos, concretos, quanto de nutrientes emocionais como atenção, presença, disponibilidade, conversa e carinho.
Desde muito pequenas elas podem perceber os tons de voz aumentados, a ausência de uma pessoa que antes estava presente em sua vida, a indiferença de um cuidador que realiza apenas os cuidados fisiológicos, a tristeza materna, a inconstância da rotina, e por aí vai.
Quem dirá as crianças mais velhas, com mais bagagem linguística e cultural, que conseguem perceber e sentir situações ainda mais complexas como as separações dos pais, as mortes não comunicadas e as mudanças corporais que não fazem sentido a priori.
Isso nos demonstra que as crianças têm e muitos motivos para ir a terapia, pois, se elas percebem tudo isso, elas também criam suas próprias respostas. Pensam de jeitos fantasiosos que não são amadas, que são culpadas, que são rejeitadas, que são desajustadas, que isso, que aquilo. E fica para nós, adultos, a tarefa de entender as manifestações desses pensamentos.
Porém, nem sempre é fácil ler esses sinais e compreender da onde eles vêm. É comum que eles estejam muito afastados da angústia original e a relação entre sinal e motivo estejam muito embassados para quem olha de fora e também para elas, que vivem.
É por isso que a terapia de crianças é adequada. Para que, em conjunto, esse percurso possa ser traçado e identificado, de modo que a criança possa retomar o seu desenvolvimento de forma saudável.
Agora você deve estar pensando, tá, mas como? Realmente, no atendimento com crianças realizamos a terapia de outra maneira, através do lúdico, das brincadeiras e das criações que fazem parte do mundo daquela criança. É preciso falar sua língua.
O psicanalista Winnicott nos ensinou que o brincar é a língua da criança. Ou seja, é através dele que elas podem expressar e elaborar os acontecimentos de sua vida externa e interna, suas fantasias, seus medos e seus desejos futuros.
Na psicanálise com crianças, ao invés de solicitar que elas associem livremente - termo psicanalítico que pode ser encontrado no texto Porque psicanálise? - solicitaremos que elas brinquem. A partir das brincadeiras, ou da falta delas, poderemos adentrar suas vivências e conversar com elas, de modo que o que antes não estava sendo compreendido, possa agora ser.
É um trabalho difícil de ser colocado em palavras já que usa outros meios de comunicação. No entanto, vale reafirmar que esse mesmo trabalho pode ser feito com bebês recém-nascidos exatamente por usar de outra linguagem, outra comunicação. E bebês se comunicam muito.
Na minha clínica, em especial, esse atendimento é realizado com crianças a partir dos dois anos. Nessa faixa etária já é possível uma maior flexibilidade de manejo clínicos e também existe uma pequena autonomia da criança perante seu cuidador.
Nessa etapa, as crianças conseguem ficar, aos poucos e com cuidado, pequenas faixas de tempo longe dos pais sem se angustiar demasiadamente. A brincadeira, normalmente, já está presente e os sinais de sofrimento psíquico também. Portanto, é a partir dessa idade que atendo presencialmente.
Para os pais que possam querer entender mais detalhes de como funciona esse atendimento, explico primeiro que sua presença, ou a de outro cuidador, é indispensável. Não só com crianças pequenas, mas também as crianças mais velhas, é solicitado o acompanhamento delas em todas as sessões.
No início e em alguns casos, principalmente com as crianças menores, essa participação será efetivamente durante as sessões, na sala de atendimento. Depois, dada a confiança entre todas as partes, a criança poderá realizar suas sessões individualmente comigo enquanto seu cuidador a aguarda na sala de espera. Sempre presente.
Outro ponto importante é que o atendimento com crianças implica sessões particulares com os responsáveis. Em um primeiro momento, para conhecer o que os levaram a procurar ajuda psicológica para seus filhos. Mas também frequentemente, de tempos em tempos, para complemento do processo analítico.
Por fim, deve ficar claro que as crianças não só percebem tudo, como criam respostas fantasiosas para as perguntas não respondidas e, na maioria das vezes, sofrem com elas. Se perceber qualquer diferença no comportamento do seu pequeno que o preocupe ou o tire do sério (outra forma deles pedirem ajuda), entre em contato!
Estarei disponível para criar uma relação de confiança com vocês e as crianças. Só assim o trabalho pode ser feito!