Você pode já ter se perguntado se um comportamento ou atitude suas são coisa de gente normal. É uma dúvida muito mais comum do que vocês possam imaginar.
Essa pergunta passou a ser mais frequente ainda conforme os diagnósticos psiquiátricos foram sendo compartilhados nas redes sociais. Seja em formato de reels no Instagram e no Tiktok ou em formato de texto no Google, o fato é que a informação ficou difusa e banalizada.
Isto é, os termos que antes eram mais conhecidos por médicos, psicólogos, agentes e trabalhadores da saúde, passaram a fazer parte do vocabulário de todas as pessoas. O que de todo não é mal, pois o conhecimento é libertador.
O que acontece é que ao invés de justamente libertar os indivíduos, acabamos vendo um movimento contrário de aprisionamento a diagnósticos a todo e qualquer custo. Acabamos por ver pessoas que não sentiam necessidade de serem medicalizados procurarem profissionais em busca de remédios para trabalhar mais, se concentrar mais, produzir mais.
É que na sociedade em que vivemos, o normal é visto a partir do ponto de vista do grupo dominante. E o que os burgueses, que são o grupo dominante, querem se não a produção em massa e a mais valia?
Nessa lógica, se pensarmos em termos sociológicos, o que é normal é definitivo por aqueles que, em sua origem, têm um perfil de cor e gênero muito bem definidos.
Já viu né? "Qualquer coisa que não seja normal", na visão da sociedade pode incluir direta ou inderatamente todos os grupos marginalizados e suas diferentes formas de viver.
Isso pode parecer exagerado ou desmedido, mas é um fato que já aconteceu aqui, na história do Brasil, durante o período dos manicômios psiquiátricos. Além dos pacientes com transtornos psiquiátricos, que também não deveriam ser excluídos e mal tratados da forma que eram nesses espaços, também eram internadas mulheres, pessoas negras, não binárias, da comunidade LGBTQIPN+, deficientes físicos, ciganos, artistas e todo grupo de pessoas que não seguissem a norma estabelecida.
Digo tudo isso para entendermos que, para uma psicologia e psicanálise éticas, os critérios de normalidade devem ser outros. Mais sutis, mais individuais. Por exemplo, ser saudável é muito mais importante do que ser normal.
No entanto, o que é "ser saudável" também não é uma resposta tão fácil assim. Na visão de um psicanalista que gosto muito, Winnicott, os critérios para definir a saúde devem ser tênues e cuidadosos.
Ele diz em seu texto O conceito de indivíduo saudável (1967) que ser um adulto saudável é ter a capacidade de se identificar com a sociedade sem perder muito do seu impulso individual.
Em suas palavras, "é claro que deve existir alguma perda, relativa ao controle do impulso, mas não é nada normal uma identificação extrema com a sociedade acompanhada da perda total do senso de self, e da autovalorização".
O que quer dizer que não é nada saudável ir em direção à normalidade excessiva. Normalidade essa que demanda a cobertura de todas as expectativas de uma sociedade que é cisheteronormativa, branca e ocidental.
Para completar o que penso e defendo, destaco o que esse psicanalista afirma; "a vida de um indivíduo saudável é caracterizada tanto por medos, sentimentos conflituosos, dúvidas e frustrações como por características positivas (...), o principal é que sintam que estão vivendo a própria vida, assumindo responsabilidade pela ação ou pela inatividade, e sejam capazes de assumir o crédito pelo sucesso e a culpa pelas falhas".
E continua: "A saúde não está associada à negação de alguma coisa (...), a saúde tem relação com o viver, com a saúde interior e, de modo diverso, com a capacidade de vivenciar experiências culturais".
Por isso, digo que saúde é nunca parar de se desenvolver emocional e socialmente. E realmemte ninguém pode dizer que isso é uma tarefa fácil. Muito menos dizer que saúde é sinônimo de ausência de sofrimento.
O que podemos dizer é que ela, a saúde, é tolerante a doença e tem muito a aprender ao manter contato com a (nossa) loucura.
Portanto, nada melhor do que ir de encontro às nossas partes que não são tão normais assim e conviver com elas da maneira mais equilibrada possível.